Uma nova Lei: Lei De Licitações, uma nova polêmica: o Estado não se responsabiliza pelo inadimplemento das obrigações trabalhistas

No último dia 1º entrou em vigor a nova Lei de Licitações (Lei 14.133/2021). Dentre as inúmeras novidades trazidas pela recentíssima legislação, destaque-se aquela que trata sobre a responsabilidade do Estado pelo inadimplemento das obrigações trabalhistas.

A previsão contida no artigo 121 e seu parágrafo 1º, estabelecem como regra, que somente o contratado será o responsável pelos encargos trabalhistas, bem com que a inadimplência do contratado em relação aos encargos trabalhistas não irá transferir à Administração Pública a responsabilidade por tais dívidas.

Apesar do parágrafo 2º do mesmo artigo 121 contemplar uma exceção à previsão acima destacada, quando dispõe que “exclusivamente nas contratações de serviços contínuos com regime de dedicação exclusiva de mão de obra, a Administração responderá solidariamente pelos encargos previdenciários e subsidiariamente pelos encargos trabalhistas se comprovada falha na fiscalização do cumprimento das obrigações do contratado” (negritos nossos), nada menciona sobre a forma como será responsabilizada a Administração Pública quando restar demonstrada a ausência e/ou atraso de repasses por parte do ente estatal à contratada, principalmente, às entidades que integram o chamado terceiro setor.

Organizações sem fins lucrativos realizam importantes serviços públicos

É de conhecimento público e notório que, no início da década de 90, a Lei 9.367/1998 criou as organizações sociais (OS), as quais atuam sem fins lucrativos, no desenvolvimento de atividades de relevante interesse social, administrativo e até mesmo de utilidade pública, no lugar do próprio Estado, apesar de constituírem-se como pessoas jurídicas de direito privado.

Por intermédio da celebração de contratos de gestão, o Estado terceiriza a realização de importantes serviços públicos às organizações sociais, tais como, o desenvolvendo atividades de ensino, pesquisa científica, preservação do meio ambiente, da cultura e da saúde, com vistas ao melhor êxito e qualidade no resultado do serviço que será prestado e, por que não, como forma de se imiscuir de suas obrigações de ordem trabalhista.

Importante consignar que o mencionado artigo 121 da nova Lei de Licitações contempla apenas que a Administração Pública será responsabilizada, e ainda assim, apenas e tão somente de forma subsidiária, quando comprovada a ocorrência de falha na fiscalização do trabalho que será desenvolvido pela contratada.

 

No mesmo sentido, de forma direcionada às entidades do terceiro setor, o artigo 9ª da Lei 9.367/1998 define que se os responsáveis pela fiscalização do contrato gestão, ao tomarem conhecimento de qualquer irregularidade ou ilegalidade na utilização de recursos públicos, deixarem de comunicar o Tribunal de Contas da União, haverá a responsabilização solidária do Estado.

Como fica se a Administração Pública atrasar ou até mesmo deixar de repassar os recursos?

E quando a Administração Pública atrasar ou até mesmo deixar de repassar os recursos orçamentários previstos no artigo 12 da Lei 9.367/1998 às entidades do terceiro setor durante a vigência do contrato de gestão, como se dará a sua responsabilização face as obrigações trabalhistas que eventualmente forem inadimplidas?

 

Muito embora pareça óbvia a responda à esta pergunta, fato é que a Justiça do Trabalho vem afastando e/ou apenas reconhecendo a responsabilização subsidiária da Administração Pública pelo pagamento destas obrigações trabalhistas, mesmo quando inconteste a ausência de repasse às entidades do terceiro setor.

Como se sabe, as entidades do terceiro setor, principalmente, as organizações sociais, por serem entidades beneficentes que atuam sem a obtenção de lucro, devem ser consideradas pessoas jurídicas mais sensíveis a qualquer inadimplemento, porquanto, desenvolvem as suas atividades de forma vinculada ao contrato de gestão celebrado com o ente público e, ao mesmo tempo, na dependência dos recursos que lhe serão repassados.

Por que não responsabilizar o ente público pelos encargos trabalhistas, de forma solidária, quando inconteste a ausência de recursos às entidades do terceiro setor?

Dúvidas inexistem, portanto, que as entidades do terceiro setor dependem necessariamente do adimplemento por parte da Administração Pública para honrar com as obrigações trabalhistas que assumiu junto aos trabalhadores que irão laborar em prol do interesse público e do próprio Estado.

Assim, andou mau o legislador, ao não contemplar de forma expressa na nova Lei de Licitações uma justa e merecida responsabilização solidária por parte do Estado quando inconteste a ausência de repasses às entidades do terceiro setor.

 

Ora, se o tanto o parágrafo 2º do artigo 121 da Lei 14.133/2021, como o artigo 9ª da Lei 9.637/1998, contemplam a possibilidade de responsabilização solidária da Administração Pública pelos encargos sociais quando demonstrada falha na fiscalização do contrato, ou quando o responsável pelo contrato, conhecedor de qualquer irregularidade, deixar de comunicá-la ao TCU, por que não responsabilizar o ente público pelos encargos trabalhistas, de forma solidária, quando inconteste a ausência de recursos às entidades do terceiro setor?

Resta aos operadores do Direito demonstrarem eventuais irregularidades cometidas pela Administração Pública

Diante desta omissão, que poderia ter sido expressamente contemplada na nova Lei de Licitações, caberá aos operadores do direito demonstrarem a irregularidade cometida pela Administração Pública, quando incontroversa a ausência de repasses, insistindo de forma contundente em sua responsabilização solidária, como forma de se garantir o pagamento das verbas trabalhistas daqueles que atuam como empregados das entidades que integram o terceiro setor, e que atuam em função do próprio interesse público.

 

Por Marcel Ferigato – Advogado especialista em Relações do Trabalho

 

 

 

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