A epidemia que afeta as relações de trabalho: meimpregatização

A epidemia que afeta as relações de trabalho: ‘meimpregatização’

Tomo a liberdade neste breve ensaio de emprestar alguns termos próprios da área da saúde, tão conhecidos por conta da atual pandemia, para chamar a atenção para uma doença que vem se disseminando nas relações de trabalho, a ponto de se tornar uma epidemia: a contratação de empregado como microempreendedor individual; fenômeno esse que chamamos de “meimpregatização”.

Cuida-se de uma doença que pode causar um mal imenso para o organismo social, já que os seus malefícios transcendem a esfera dos contratantes, atingindo também toda a sociedade.

Por isso, é importante chamar a atenção do empresariado para os riscos envolvidos.

A figura do microempreendedor individual foi criada por lei para dar maior status de cidadania a trabalhadores que se encontram na informalidade, conferindo-lhes diversos benefícios como: aposentadoria, licença-maternidade, financiamentos, redução de impostos etc. A inscrição como MEI permite a obtenção de CNPJ e, por conseguinte, a emissão de nota fiscal.

É muito simples inscrever-se como MEI, basta a realização de um cadastro no site portaldoempreendedor.gov.br e no mesmo dia a pessoa já pode ter o seu CNPJ. Não há despesas de abertura. O custo do MEI com tributos não excede o importe de R$ 61,00. Não há necessidade de contratação de contador para cuidar da contabilidade.

Trata-se, inegavelmente, de um importante instrumento de inclusão na sociedade econômica de atividades laborativas informais.

O grande problema é a desvirtuação dessa figura jurídica.

A empresa pode contratar MEI para reduzir os custos da folha de pagamento

Tem sido frequente a consulta do empresariado sobre a possibilidade de contratar trabalho subordinado como microempreendedor individual; solução que atenderia a necessidade de a empresa reduzir os custos da folha e dos direitos trabalhistas diante do atual quadro pandêmico, em que a atividade econômica se encontra desacelerada.

A pergunta que se coloca é: uma empresa pode contratar MEI? Claro que sim! Existe, porém, a forma correta de ajustar validamente essa modalidade de relação de trabalho.

 

Veja, o microempreendedor deve exercer a sua atividade com autonomia, correndo os riscos de sua atividade. É ele que deve definir a forma da realização do trabalho contrato. A regra é que ele trabalha em favor de vários tomadores. Quem contrata o MEI importa-se com o trabalho e não com a pessoa, de tal forma que é possível a substituição do trabalhador (o MEI pode ter até 1 empregado).

Logo, o MEI não pode ter a sua atividade laborativa dirigida por outrem, que venha a determinar o lugar, a forma, o modo e o tempo – dia e hora – da execução dos serviços; não deve correr os riscos da atividade; não pode cumprir jornada de trabalho com horários fixos e assinar ponto. Se isso não for observado ele será um empregado.

É um grande risco contratar MEI para dissimilar uma relação de emprego e muitos empregadores não possuem a real noção dos riscos envolvidos

A lei trabalhista é imperativa e não pode ser afastada pela vontade das partes.

É um grande risco contratar MEI para dissimilar uma relação de emprego e muitos empregadores não possuem a real noção dos riscos envolvidos. Pensam que afora o risco trabalhista existe apenas a questão da sonegação fiscal, com possível implicação na esfera criminal. Digo, contudo, que as consequências são desastrosas e atingem toda a sociedade.

Apenas para se ter uma ideia a sonegação dos tributos incidentes sobre a folha de salários compromete a satisfação dos direitos relativos à saúde, previdência e assistência social, já que essas ações são financiadas diretamente pela cota patronal; o que causa um dano de natureza coletiva.

Há, ainda, o risco da caracterização do dumping social, que se dá quando a empresa busca eliminar a concorrência às custas dos direitos trabalhistas e da sonegação de tributos, alcançando uma desleal vantagem competitiva no mercado, justamente pela redução do custo da produção de bens e da prestação de serviços.

É necessário dizer, também, que tal prática é suficientemente capaz de agredir valores fundamentais inscritos na Constituição Federal, como a dignidade da pessoa humana; os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, os direitos sociais; os princípios da ordem econômica, dentre muitos outros, conduzindo à caracterização de danos morais coletivos.

Uma condenação judicial por danos morais coletivos e dumping social decorrente da prática da “meimpregatização” pode, tranquilamente, ultrapassar a casa de alguns milhões de reais, já que a finalidade da indenização não se destina apenas a compensar o dano, mas também a dissuadir o agressor a reincidir na prática do ilícito.

A verdade é que os riscos da “meimpregatização” são muito sérios.

 

O empregador que deseja reduzir os custos de sua operação pode se valer de muitos outros mecanismos, sem precisar enveredar pela precarização de direitos.

Na próxima postagem abordaremos algumas alternativas que podem ser buscadas pelo empresariado, sem que se faça necessária a exposição aos riscos que foram listados acima.

por Eduardo Daniel

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